Sobre a visita de Mónica Baltodano ao Brasil

A ex-guerrilheira e Comandante Mónica Baltodano, figura central da luta contra a ditadura nicaraguense de Anastasio Somoza e da subsequente Revolução Popular Sandinista de 1979, esteve no Brasil entre os dias 11 e 20 de abril.  Sua vinda ao Brasil e passagem por várias capitais brasileiras foi coordenada pelo Comitê Brasileiro de Solidariedade com o Povo da Nicarágua, criado em 2018, com o apoio decisivo do Movimento da Esquerda Socialista (MES) do PSOL, e financiamento de sindicatos, organizações e coletivos que defendem a democracia e a autonomia do povo nicaraguense.

Essa visita teve dois objetivos. Primeiramente, compartilhar informação qualificada sobre o que está acontecendo na Nicarágua, descrevendo com acuidade os traços cada vez mais autocráticos do regime conduzido por Daniel Ortega e sua esposa Rosário Murillo. Mas também fortalecer e estabelecer novos laços de solidariedade entre as forças de resistência ao regime e o campo da esquerda, assim como com setores e atores comprometidos com a defesa intransigente da democracia.

É importante resgatar, ainda que brevemente, a trajetória política de Monica. Após ter sido Ministra de Assuntos regionais nos anos 80, Vereadora (1990-1996) e deputada (1997-2002), rompeu com a Frente Sandinista em 1999,  após o espúrio acordo antidemocrático entre  Ortega e o ex-presidente, de direita, Arnoldo Alemán (1997- 2001) do PLC – Partido Liberal Constitucionalista.  Esse acordo inaugurou um percurso de agravamento paulatino de autoritarismo que levaria a outros acordos com forças conservadoras para chegada ou manutenção do poder político de Ortega.

Durante os diversos encontros no Brasil, a comandante Baltodano deu exemplos da escalada autoritária de Ortega a partir de 2018, com a repressão de mobilizações populares que deixou 355 ativistas assassinados, segundo relatórios de especialistas da CIDH e validados por Anistia Internacional. Na sequência dessa onda repressiva, Ortega, ordenou o desterro, expatriação, confiscação de bens de 317 cidadãs e cidadãos, incluindo 222 presos políticos entre antigos guerrilheiros e líderes históricos da FSLN.

Ao longo de sua visita ao Brasil, a Comandante Baltodano foi entrevistada por importantes veículos de imprensa, vários deles de esquerda como Revista Fórum, Brasil de Fato, Carta Capital, IHU on-line, Revista Movimento, e Brasil 247.  Foi recebida por atores do campo democrático e progressista brasileiro como Frei Betto, Padre Júlio Lancelotti, alguns fundadores do PT e funcionários do Governo Federal. Falou em universidades, particularmente USP, UFRGS e UFRJ, organizações de direitos humanos, espaços da igreja progressista, Assembleias Legislativas, Congresso Nacional, assentamento do MST, sindicatos, coletivos de ativistas, realizou uma roda de conversa na sede da Open Society Foundation (OSF), um debate no Instituto Vladimir Herzog e um encontro com a Fundação Rosa Luxemburgo.

No curso dessas atividades Mónica e membros do comitê foram recebidos com respeito, curiosidade e solidariedade. Apesar desse clima generalizado de hospitalidade, receptividade e solidariedade, ao final de sua visita, circulou nas redes sociais um artigo acusando-a de conivente com o imperialismo por ter participado da reunião no escritório da OSF no Rio de Janeiro. Essa afirmação é injustificável, seja em razão da trajetória política de Mónica Baltodano, seja porque o diretório brasileiro da OSF mantém um compromisso chave com organizações feministas e agentes da sociedade civil.  Esse episódio, contudo não afeta a importância da visita que ela fez ao Brasil. Sua presença no país fortaleceu laços de solidariedade e estabeleceu novas conexões entre a resistência nicaraguense e o campo de esquerda brasileiro que, juntamente com um leque mais amplo de atores, soube resistir com vigor à desdemocratização definitiva do país. 

Não temos dúvidas que as trocas que aconteceram nesses últimos dias contribuíram para firmar uma pouco mais o entendimento de que os direitos humanos devem ser parte de uma agenda democrática e progressista, e que a solidariedade latino-americana é impreterível na busca de uma saída pacífica à crise da Nicarágua, que permita eliminar a onda autoritária e fortaleça a solidariedade internacional, como se demanda no texto “um revolucionário pedido de socorro” em https://sul21.com.br/opiniao/2023/04/um-revolucionario-pedido-de-socorro-por-sandra-bitencourt-e-laura-barreras/

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